terça-feira, 24 de março de 2009

Cuidado com a Cuca

A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project – 1999)
Diretores: Eduardo Sánchez e Daniel Myrick

Uma década depois... ele ainda me engana. Aliás, esse deveria ter sido o primeiro post do blog, porque é impossível falar de A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project – 1999) sem mencionar o tanto de gente que esse filme enganou. Vide faturamento: 22 mil dólares para fazer, que geraram espantosos 240 milhões. E tudo começou com os diretores-roteiristas, Eduardo Sánchez e Daniel Myrick, com duas câmeras na mão, pouco dinheiro no bolso, três atores semi-desconhecidos e muitas mentirinhas na cachola. Essa dupla intrépida era tão enganadora que começou enganando os próprios “três atores semi-desconhecidos” dando a eles apenas um resumo do “mito” por trás do filme e jurando de pé junto que era tudo verdade. Piores que marido traído, os “três atores semi-desconhecidos” foram saber que nunca houve lenda alguma só depois que o filme foi lançado.


E esse povo sofreu. Corre à boca pequena que para promover a discórdia entre os eles, os diretores davam-lhes menos comida a cada dia de filmagem. Gente faminta = péssimo humor. Inventaram, ainda, de sair correndo pela mata quebrando gravetos e até aquela cena da barraquinha quase sendo carregada foi surpresa para os “três atores semi-desconhecidos”. Agora, imaginem vocês: estamos “gravando” no meio do mato, famintos, mal-humorados, cansados, sem saber qual será a próxima cena, acreditando que existiu uma mulher que matava criancinhas naquele pedaço e de repente um monte de loucos começa a sacudir a barraca e imitar choro de crianças, deixar pedrinhas na porta, pendurar gravetos e tudo mais. Detalhe: isso no maior breu. Qual a sua reação?

a) Choro e fico melequento;
b) Só não cago porque não tenho “feze” pronta;
c) Saio da barraca p* da vida xingando até a quinta geração do moleque que está “atrapalhando” as filmagens, afinal, como diria Christian Bale: “Are you professional or not?”;
d) Utilizo a palavra "fuck" 154 vezes;

Logo depois trataram de espalhar que as filmagens eram reais, e muita gente ainda se confunde (vide: eu) sobre a veracidade das cenas, exatamente pelo fato do filme se apoiar em uma estética de documentário. Aliás, quando vi o filme em 1999 ele veio na rabeira de uma campanha publicitária poderosa, principalmente para quem tinha internet e podia acessar o site do The Blair Witch Project. Antes de ser lançado, os “três atores semi-desconhecidos” foram listados como "desaparecidos, presumivelmente mortos" no IMDb. No mais tudo foi feito na base do “fundo de quintal”, tipo a casa da atriz melequenta que é na verdade a casa de um produtor assistente – o qual também faz uns bicos de câmera. A garçonete entrevistada, que é interpretada por Sandra Sánchez, a irmã do diretor Eduardo Sánchez e por aí vai. Vai ver que as marquinhas de mão nas paredes da cabana foram feitas pelos filhos do diretor em um descontraído “family time” com o tema “pintura com os dedos para filme de terror do papai”. Sem cachê, claro.

Fato é, em 2004, uma tia com quem eu morava resolveu comprar o filme e eu resolvi ver de novo, de tarde, para não dar muito medo. OK, vi tudinho. Não contente com isso, vamos aos extras: entrevistas, fotos dos “três atores semi-desconhecidos” quando crianças, no maior estilo “Cold case”. Ainda me inventam de colocar umas informações sobre bruxas e até hoje eu não sei se eu imaginei uma mulher toda coberta de pelos como o filme descreve ou se vi a bicha na vera lá nos extras. Resultado: uma pessoa três noites dormindo com a luz do quarto acesa e nas duas primeiras na cama da tia, com a tia. Acho que tive mais medo do que lá em 1999, quando eu ouvia falar de Blair como sendo o mais assustador desde “O Exorcista” – filme este que não vi e se Deus me permitir, passarei desta para uma melhor sem tomar conhecimento.

Blair, além de me tirar o sono, me irritou porque me deixou a mercê da minha imaginação fértil. Não vi bruxa, não vi criança, não vi caçadores esquartejados, muito menos os cadáveres dos “três atores semi-desconhecidos”. Eu imaginei tudo isso de madrugada, com a mão no bolso, (na ruuuuaaaa...) o que é muito pior. O máximo que mostraram foi um saco com uns cabelos dentro e algo que sugeriam ser uma língua, dentes e vísceras de um dos “três atores semi-desconhecidos”. É aquela velha história do vampiro no quarto escuro que, quando você levanta e vai conferir, não passa de uma camisa que alguém deixou pendurada na cadeira.

Meu diálogo favorito é sem dúvida:

Heather Donahue: How's east?
Michael Williams: East?
Heather Donahue: Yeah, we've been going south all this time. How's east?
Michael Williams: Wicked Witch of the West, Wicked Witch of the East. Which one was bad? Heather Donahue: Wicked Witch of the West was the bad one. Michael Williams: Then we should go east.


Muito mais pelo Mágico de Oz do que pela Blair, claro.
Justiça seja feita The Blair Witch Project abriu alas para um monte de gente fazer a mesma coisa com mais dinheiro no bolso. Vide Cloverfield, Rec, Quarentine (versão chupadíssima do Rec), Diary of the Dead, entre outros.

Mas a cena que fez todo mundo ir embora sem entender nada, ou p**, ou ainda se achando a última cocada da baiana por ter captado o espírito da película, é a cena final. Tá lá mais um corpo estendido na parede de “mão no muro”. E, aí? E aí nada, né? E aí, cabô. Em oito dias foi feito um filme independente que faturou tubos. Seu recorde de arrecadação só foi superado em 2002, por Casamento Grego (My Big Fat Greek Wedding). Mas se querem saber sugiro aqui um final alternativo que teria dado o que falar. E se em vez da bruxa cabeluda, em vez do sujeito “mão no muro”, em vez de câmera caindo e melequenta gritando que nem porco no matadouro, a cena cortasse para ela: a fonte de inspiração do penteado e da maquiagem de Amy Winehouse, a rainha da Sessão da Tarde, uma bruxa que tem peito pra aparecer? Eu acho que sinceramente seriam outros 500. Milhões de dólares, claro.

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